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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Carta aos Formandos Direito 2010.2 Unifacs - Carta aos não-religiosos de matrizes africanas.


Eis que está chegando um grande momento: minha formatura, o meu bacharelado em Direito. Depois de 5 anos de curso, 1 ano trancado por questões fincanceiras e emocionais, estou na reta final dessa caminhada. Desses anos corridos, poderia relatar e lembrar de muitas coisas passadas, agradáveis ou não, mas me pego tendo pela frente uma discussão que não diz respeito especificamente a mim, mas a todos os religiosos de matrizes africanas.
Fiz uma carta para meu colegas formandos, mas que acredito que interesse a muito mais pessoas do que os míseros 77 formandos de minha turma. Eu podia relatar o que tem acontecido, mas certamente depois de ler a carta não haverá mais a necessidade desse relato, ela é auto-explicativa. 
Ademais, só resta lembrar que a luta contra intolerância religiosa é todo dia. Minha avó de santo foi pra Orun de forma trágica e não falo do desabamento de um prédio, de um terremoto ou tsunami. A tragédia fatal de sua vida foi o preconceito, a intolerência religiosa, o extremo da falta de respeito. Pode até parecer que um fato está desassociado do outro no que diz respeito ao seu conteúdo e momento, contudo, é um engano acreditar que quem ataca uma mãe de santo com biblía nas mãos e divulga jornais com textos infames é diferente de quem se posiciona contra a participação de uma filha de santo em obrigação da solenidade, pela sua impossibilidade de trajar-se de preto como o restante dos formandos.
Redigi a carta não acreditando que a mentalidade de um grupo de brancos, cristãos (universalmente falando) e com poder aquisitivo além do mediano, reveja conceitos: sei que isso não é possível só com palavras, o enfrentamento há de ser mais veemente. Entreranto, não podia deixar passar a oportunidade de dizer um desaforo do alto de minha postura de nobreza ancestral africana.
Segue na íntegra.

AOS FORMANDOS DIREITO 2010 NOTURNO E A QUEM MAIS INTERESSAR POSSA


Eu podia simplesmente esperar que o ano acabasse, esperar que a formatura passasse e pronto. Contudo, eu sempre tenho pretensões maiores quando se trata de discussões pertinentes, trago essa discussão para vocês, futuros bacharéis em direito, alguns, inclusive, já aprovados no Exame de Ordem, portanto, também futuros advogados.
A liberdade religiosa, que inclui a liberdade de crença e de culto, está garantida na Constituição Federal, em seu artigo 5º, sendo, portanto Direito Fundamental.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; [...]
Sei que não está a contento de muitos o fato de ter uma colega formando com traje branco destoando dos padrões do cerimonial e “quebrando o protocolo”. Entretanto, tendo em vista os dispositivos constitucionais supracitados, pretender ou manifestar-se contra a participação de uma adepta de Candomblé ou impor condições que ofendam de tal maneira suas convicções a ponto de impossibilitá-la de participar de qualquer evento nas mesmas condições que os demais, é uma privação de direitos.
É ainda o Artigo 5º da Constituição Federal que traz a inafiançabilidade e imprescritibilidade do crime de Racismo:
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
Talvez muitos se espantem com a abordagem do racismo neste assunto, mas se se espantam é por que certamente estão muito habituados aos seus códigos civis, penais, trabalhistas e processuais, lhe escapando algumas leis ordinárias, mas que estão em vigor e que, como estudantes de direito e concluintes, devemos estar aptos a fazê-las valer (senão, passar na OAB não significa nada). A Lei 7.716/89 define o que vem a ser racismo estabelecendo os crimes resultantes de raça e cor e em seu bojo tipifica a conduta que atente ou crie óbices ilegais a alguém em decorrência de sua religião.
Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Art. 14. Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e social.
Pena: reclusão de dois a quatro anos.
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa.
Tenho ouvido falar de muitas coisas, mas tenho dado pouquíssima importância para evitar me desgastar em um momento que é digno de honrarias e comemorações, que é a minha formatura. Contudo, há coisas que sempre precisam ser ditas, para que uma oportunidade não se perca ou determinado fato tome contornos menores do que o merecido, como se fosse qualquer anedota. Sei que o que está sendo colocado aqui não está sendo recebido por todos nessa lista ou a todos que possam ter acesso a esse email, mas sei também que as pessoas certas o estarão lendo e entenderão cada palavra aqui escrita.
Portanto, se a alguns desagrada o fato de fazer uma formatura com uma adepta de Candomblé, recém iniciada e que, em decorrência de seus preceitos religiosos, participará da solenidade trajada de branco, a Constituição também lhes garante isso:
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
A República que vivemos, que não é nenhuma república platônica, tem também seus objetivos explícitos na Constituição.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Portanto, quem quiser viver uma redoma, em padrões estéticos fechados e estanques, em um Estado com religião oficial, está na hora de arrumar as malas. Não há como estar aqui, sem se adequar à diversidade. Se não quer conviver com diferenças, infelizmente, seu Deus, te colocou pra nascer e viver no lugar errado. Eu é que tenho certeza que Olorum, Orumilá, Obatalá, Olodumarê, Exu, Ogum, Oyá, Oxossi, Oxum, Oxalá e o resto do panteão africano não me fizeram nascer nem estar no lugar errado. Então, não tenho de onde sair, nem de onde deixar de estar. Ou seja, a cada um está reservado o direito de rescindir seus contratos com a promotora de eventos responsável pela organização da Solenidade e receber seus respectivos diplomas na Reitoria da Universidade. Afora isso, não há outra opção. Então, avaliem enquanto está em tempo por que a alternativa de usar a Beca preta ou desistir da Solenidade, não existe.
O que não pode é ficar nas ironias, brincadeiras e comentários sórdidos, inclusive por que é crime:
Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa;
impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou
objeto de culto religioso:
Pena - detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa.
Os bons penalistas desta turma deviam saber disso, mas, caso tenham perdido essa aula no 3º ano, aqui estou eu, como boa colega, trazendo-lhes essa revisão às vésperas de Exame da Ordem (apesar de alguns já aprovados precisarem dessa revisão para a vida profissional e pessoal). É muito fácil ser penalista e garantista. É muito fácil ser “constitucionalista de artigo”. Difícil é se deparar com as situações cotidianas e usar o Garantismo e os Direitos Fundamentais da Constituição tal como habitualmente defendem em sala de aula. Estamos terminando o curso e parece que muitos não perceberam que não passamos 5 anos fazendo nenhuma resenha crítica de filme, ainda que alguns exemplos das aulas de penal pareçam ficção científica. Não vivemos em uma realidade e estudamos a MATRIX!!! Se não perceberam isso, ainda dá tempo de correr pro curso de Cinema, Artes Cênicas ou coisa que o valha.
Em última observação, peço que havendo alguma coisa a dizer, sobretudo se quiser manifestar alguma insatisfação com essa situação, o faça diretamente a mim, para além de hipocrisia, não se permitir também a covardia, fazendo tais comentários aos cochichos, de forma vil. Todos estão empenhados em colar grau, ser aprovados no Exame de Ordem, ser juristas ou o que mais o bacharelado em Direito permita, então está na hora de sermos mais éticos ao discutir quaisquer assuntos. Se for pra haver um debate acerca do tema, que ele seja aberto: é o mínimo que suas dignidades exigem.

Atenciosamente,
Gabriela Ramos, Formanda, 5ºB Noturno
Torunjinlê - Omorixá de Ogum – Yaô do Axé Abassá de Ogum
Iniciada em 24 de julho de 2010 pela Yalorixá Jaciara Ribeiro

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Mulher Negra - Reflexu's

Eu tenho orgulho de ser uma mulher negra. Eu tenho kelê, eu tenho a dijina...


Saudosismo de um tempo que não vivi! Os sucessos da Banda Reflexu's me embalam, e o fato de eu estar ainda no colo de minha mãe quando seus hits estouraram, não atrapalham a minha nostalgia. Não deixo de pensar como seria a banda atualmente se ainda existisse. Talvez passasse pelas mesmas pendengas das bandas e blocos afros, mas que, assim como eles, não perdem o brilho.