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quarta-feira, 5 de agosto de 2015

A seletividade dos taxistas soteropolitanos

Na segunda-feira da semana passada, entrei num táxi, disse o meu destino e ouvi:
- aaah, ali eu não vou não. Rua muito movimentada e estreita, ruim pra manobrar. O trabalho não vale esse dinheiro.
Fiquei estatelada olhando pra ele, incrédula... E ouvi mais:
- Bora, moça... Desça que o sinal abriu.
Atônita com a dimensão do grosseria e falta de profissionalismo, desci sem dizer um "ai". Minutos depois despertei  e passei o resto do dia me recriminando por não ter despejado desaforos, todos aqueles que iam surgindo com o passar das horas. Foi uma saga o auto-questionamento: aonde estava minha língua? Aonde se esconderam todos esses desaforos? 
Mentalizo Exu: o senhor trate de fazer alguém dar uma resposta a ele, não tem lógica tratar ninguém assim e nem ouvir nada, vai continuar achando que pode lidar com as pessoas assim.
Hoje, entro num táxi, olho pra cara do motorista, o reconheço e digo:
- ahh, lugar fácil de entrar e sair, longe, corrida de valor muito alto, deve ter gente mais educada pra receber meu dinheiro e ter a honra de carregar minha energia positiva.
Desci do carro e só ouvi um "que mulher maluca".
Não acredito que tenha sido lá grande resposta, mas negar meu dinheiro a ele já me deu alguma paz!

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Na Feira de São Joaquim se vende de tudo...


Eu faço uma compra razoavelmente grande numa barraca, o vendedor tira a nota e diz que o rapaz do caixa vai me dar o desconto.
- Diga ai, morena?!
- Oi??? É comigo?
- Sim, morena!
- Não, não sou morena não... Sou negra, me chame de preta, nega, negra, mas morena é complicado... Fica difícil até de entender.
- Não... A senhora é morena, sim, que eu tô dizendo...
- E eu sou só porque o senhor tá dizendo?
- Não é porque eu estou dizendo, é porque é.....
Comecei a ficar meio irritada, mas lembrei do desconto e pensei: está tudo o olho da cara, melhor eu pagar antes de dizer o desaforo.
Nesse meio tempo, um outro homem faz minha conta e me dá um bom abatimento.
- olhe, o senhor não sabe mais de mim do que eu, mas se me der mais desconto que ele, deixo até me chamar de moreninha-cor-de-jambo.
Ele se lascou em risada e eu até agora não sei se só soltei uma gracinha pra não engrossar com ele ou se tava barganhando minha identidade. O quilo do camarão seco tá perto dos 30 reais...e eu não ia comprar só um punhadinho...

domingo, 21 de junho de 2015

Eu não sou todo mundo...

- Esse cara não me atrai, não vejo nada nele...
- Como não? Você é maluca ou cega. Ele é muito gato. Todo mundo é "afim" dele.
- Eu não sou todo mundo.
- Você está dizendo isso porque ele é branco.
- É provável que sim, mas eu só não acho mesmo ele atraente e talvez não o ache atraente, não porque ele é branco, e sim porque ele não é negro.
- Dá no mesmo... E você é radical... Isso não deixa de ser racismo.
- Não, no meu caso é gosto pessoal e auto defesa. Não tenho como ser racista preterindo o gosto padrão. Aliás, você mesma falou que todo mundo é "afim" dele e isso por si só explica o porquê de meu gosto não ser racista e a sua fala generalizante e instituidora de beleza que deve agradar à universalidade ser de fato a racista. Você observou que tentou me me impor o seu gosto colocando a minha contrariedade como patológica?
>>>> silêncio ensurdecedor <<<<
- tudo você teoriza.
- toda minha contrariedade à sua branquitude universal, você subestima.
Fim de conversa.... E acho que de "coleguismo" também.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Todo Cristão negro brasileiro deve a vida ao Candomblé

Aquele diálogo que você preferia não ter escutado.
- comprei o terreninho pra nossa igreja, irmão. É naquele lugar que tinha uma casa que Márcio batia Candomblé.
- Glória a Deus, irmão!!! Veja como Ele é maravilhoso: sai aqueles negócio de santo pra entrar Jesus.
Olhei pra trás, vi dois homens negros mutilados pelo branqueamento e enquadrados à lógica da branquitude que pratica a intolerância religiosa, parte da engenharia mais complexa que é o racismo.
Por óbvio, não deve ser imposto o Candomblé como religião a todas as pessoas negras: primeiro porque Candomblé não vive de cooptar adeptos, senão pela vontade do Orixá e pela sua própria forma de mostrar a cada um o seu caminho; segundo que nem todo mundo é mesmo pra ser de Candomblé, só os apontados pela ancestralidade por motivos que também só essa ancestralidade conhece.
Problema é a absoluta rejeição à sua própria história. Não há negro/a nesse país que não deva sua própria vida ao Candomblé (e/ou outros segmentos religiosos de matrizes africanas), se não pela espiritualidade, pela função política essencial na resistência dos africanos escravizados.
Negar isso é, no mínimo, ingratidão. Mas Ogum e todo o panteão os perdoa. Nós, os não-cristãos, somos feitos de amor, respeito e acolhimento.
Perdoa, Olorum! Eles não sabem o que dizem! Ingênuos, que em lição de Nei Lopes significa "aqueles nasceram antes da Lei do Ventre Livre". Hoje, ainda fortemente aprisionados pelo que Munanga descreve como colonização mental, fazem trocadilhos infantis e que servem à sua própria exploração: foram lapidados política e e ideologicamente como eternas crianças escravizadas.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Bonitinha, mas injuriada

O cidadão vem se aproximando trôpego e me encontra quieta, séria e parada olhando pro nada.
Ao abrir a boca, o exalar do álcool denuncia seu estágio de lucidez:
- moça bunita! bunita mas injuriada...
- e o senhor parou pra procurar conversa por que?
- porque eu gosto de zombaria.
- oh, Exu... Me ame, mas me deixe quieta!!!!
Ele saiu rindo como quem não concordava, mas acatou.
Eu que tava injuriada, fui obrigada pelas luzes dos caminhos a relaxar.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Nem tudo que reluz é água


Se de Teus olhos se faz minadouro
Dessa fonte não se bebe, nem se lava
Quem se arrisca
De pronto
Ebó feito

De todo doce
faz-se fel
Não se deleite

Água que limpa
Em excesso
a distraídos afoga

Mata sede
Em grandes goles
engasga



terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Oxalá em riste

Alfazema
roupa branca
fio de conta
cabelos ao alto

em sexta a guerra
que em terça descerra 

batalhas silenciosas
a ciclos fin-dando

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Amor passageiro

*para Flávio Magalhães

Na viagem
o transitório
a fugacidade
       Distribuído
                                pulverizado
Amor inteiro é pouco
        Ama oportunidades

segunda-feira, 7 de julho de 2014